Por Matheus Fernando
Apesar da descontração e de atitudes polêmicas no palco, como levantar a camisa e mostrar os seios, pessoas que conviveram com Cássia Eller diziam que a personalidade da cantora nos bastidores não refletia o seu comportamento transgressor em público. Silvio Essinger, jornalista que cobriu e produziu matérias sobre Cássia, confirmou esse lado tímido da artista e ainda mostrou uma outra vertente da cantora.
- Ela era incrivelmente tímida nas entrevistas, nunca se sentia muito à vontade diante das perguntas mais formais, mas se soltava mais se você fosse por um caminho mais descontraído – disse.
Silvio ainda relatou uma certa falta de escrúpulos da cantora em um dos encontros que fez com a mesma.
- Eu tinha uma entrevista com a Cássia na sede da Universal Music em São Paulo. Cheguei e ela estava com sua assistente na época, a Suely Aguiar. Antes de deixar-nos a sós na sala, para conversarmos, a Suely entregou uma camiseta dobrada para a Cássia e disse que era para vesti-la quando fosse fazer a foto. Mal ela saiu, a Cássia levantou, virou-se de costas para mim (acho que era o resquício de pudor que ela tinha), tirou a blusa, pôs a camiseta e aí, como se não tivesse acontecido nada, começamos a entrevista. Essa era a Cássia – completou Silvio.
O jornalista conseguiu achar um jeito de tirar boas respostas da artista, devido a sua timidez, e contou que não era difícil abrir o coração de Cássia.
- Ela rendia boas entrevistas porque era uma grande intérprete, incrivelmente musical e inteligente, que não fazia questão de se enquadrar no modelo das cantoras de sucesso de sua época. Ao entender o que ela significava, e puxar os assuntos certos, você conseguia dela raciocínios e frases bem originais. Ela gostava de música, dos amigos e de sinceridade. À medida que você compreendia isso, era só buscar as chaves certas para abrir o seu coração – revelou.
Além de ser reconhecida pelos pesquisadores pela sua timidez, Cássia também se importava demais com sua família e sempre desejava ter essa conexão especial com seus parentes. Eduardo Belo, jornalista e escritor do livro “Apenas uma garotinha – A história de Cássia Eller”, destacou em sua apuração que a cantora detinha uma grande proximidade com sua família, mas que também possuía certo grau de ingenuidade.
- Também ao contrário do que sugerem as aparências, era superfamília. Tinha uma ligação muito especial com todos os irmãos (quatro), com a mãe e até com o pai, que desde a separação foi muito execrado por outros membros da família. Muito leal a suas amizades, era generosa o tempo todo. O que fazia dela um alvo fácil para vários tipos de abuso. Era bastante ingênua em relação a questões de dinheiro e carreira – afirmou.
O fato é que Cássia Eller foi e sempre será um ponto fora da curva na música. Especialistas afirmam que a cantora tinha aquele algo a mais e com certeza faria sucesso por muito mais tempo. Eduardo Belo elogiou sua versatilidade nas performances e ainda previu que a mineira poderia ter chegado no topo.
- Cássia era bastante talentosa, capaz de trafegar por diferentes gêneros da música, com uma voz muito potente e um controle vocal muito grande. Interpretava como poucos cantores e cantoras da sua época. Ouso dizer que ela teria se tornado uma das maiores, senão a maior cantora brasileira de todos os tempos se tivesse uma carreira mais longa e consolidada – concluiu o escritor.
A FAMA NUNCA SUBIU À CABEÇA
Paulo Fontenelle, diretor e roteirista do documentário “Cássia Eller”, após muitas pesquisas, chegou a uma conclusão de todo esse sucesso que rodeado pela cantora tinha um motivo, que era não se importar tanto com a fama.
- A completa falta de deslumbre com o que há de colateral em seu ofício. A Cássia era cantora por uma necessidade profunda de sê-lo, porque foi o canto que a possibilitou expressar-se e ser aceita pelo mundo. Havia nela até um certo desprezo pela fama. Cássia foi cantora, instrumentista, moleque e mãe, jamais uma diva – disse.
Paulo ainda ratificou que a artista conseguia transformar tudo no seu estilo e isso a tornava um diferencial no meio cultural.
- A Cássia tinha duas coisas que a tornaram uma das maiores cantoras brasileiras de todos os tempos: a intensidade visceral do seu canto e uma criatividade que borrou todas as fronteiras entre o que era rock, reggae, baião, chanson ou samba. Tudo que ela cantava virava Cássia Eller – completou o diretor.
Liberdade: essa é a palavra que, de acordo com o diretor, eterniza a cantora em nossos corações. Paulo Fontenelle concluiu que Cássia Eller sempre será uma marca do nosso país.
- Cássia transpirava liberdade, isso é essencial em um artista. Tinha uma movimentação irreverente, sarcástica e uma capacidade brilhante de se comunicar com o público, especialmente os jovens. Por isso, ela continua viva, presente, mais do que uma referência, mas como parte da história do Brasil – afirmou.
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