Por Beatriz Orfaliais e Nathália Teixeira
Foto retirada do perfil do Instagram @roxanne.banda
Que Cássia Eller é muito influente na música todos sabem. Entretanto, é necessário reafirmar que ela era uma mulher com alma roqueira, algo visto como incomum. Não foram tantas as mulheres no Brasil que se aventuraram no rock antes de Eller. E as que vieram depois foram amplamente inspiradas por ela.
Embora o público identificasse Cássia Eller como uma roqueira de sucesso nos anos 90, ela também cantava blues e samba. Para Simone Alves, vocalista da banda Roxanne, era impossível enquadrar Eller em uma "caixinha", e isto a tornava única.
- O fato de ela cantar vários estilos tira um pouco do preconceito de você cantar só rock, ou só baião, ou só MPB. Cássia Eller fazia, no mesmo CD, uma mistura muito doida, com todos os estilos e ritmos brasileiros e estrangeiros. Então eu acho que essa mistura que ela fazia era muito corajosa e muito pessoal - ressalta Simone.
SEM IMITAÇÕES
A música sempre fez parte do cotidiano de Cássia, pois ela aprendeu a cantar ainda criança, ouvindo músicas com a babá. Aos 14 anos, ganhou do pai o primeiro violão e começou a tocar principalmente músicas dos Beatles. Ao longo da trajetória, Eller cantou em coral, fez testes para musicais, trabalhou em óperas e até fez parte de um grupo de forró.
Homossexual assumida, Cássia Eller vivia com sua companheira Maria Eugênia Vieira Martins e com o filho Francisco, de um relacionamento anterior. Segundo Simone Alves, Eller não tinha vergonha de ser quem era e mostrar seus relacionamentos para o público em uma época em que casais homoafetivos sofriam ainda mais preconceito do que atualmente.
A banda Roxanne tem no repertório algumas músicas que Cássia cantava, como “Top Top”, “Gatas Extraordinárias” e “Partido Alto”. Simone não considera os timbres dela e de Cássia parecidos – Cássia cantava em tons graves para Alves – mas tenta, sempre que possível, manter os tons originais de Eller para se assemelhar um pouco a ela. Conforme dito por Alves, Eller se apropriava das músicas que cantava, tornava-as dela. Colocava tanta emoção nas interpretações que parecia até um pouco atriz. Isto influencia Simone que, apesar de fazer cursos de teatro musical, tem dificuldade para interpretar as canções. Ela estuda a cantora e a forma de que Cássia agia e cantava (segundo ela de porta fechada, visto que Eller “fazia umas coisas muito loucas”). Não tenta, no entanto, imitá-la.
- Eu acho que a Cássia Eller não tem imitação, não tem como fazer porque senão vira a tal caricatura. A Cássia Eller é legal da gente ver para saber como ela se comportava porque não parecia que ela ensaiava aquilo tudo, aquele jeito dela no palco – afirma Simone.
Alves aponta, ainda, que Eller era tímida na vida pessoal, mas se soltava no palco.
- Ao mesmo tempo que ela se dizia uma pessoa tímida fora do palco, no palco ela se transformava, ela virava outra pessoa. Então você acha que dá para imitar uma coisa dessas? Nem se eu quisesse – confirma.
Para Simone, Cássia deve ser estudada como referência.
- Ela é uma escola - ressalva Alves.
Cássia teve uma carreira muito curta, com dez álbuns gravados ao longo de doze anos de carreira, mas com força suficiente para criar um legado na história da música brasileira. Ela morreu aos 39 anos na clínica Santa Maria no bairro de Laranjeiras, na zona sul do Rio de Janeiro, após sofrer quatro paradas cardíacas, em razão de um infarto do miocárdio repentino.
Ainda segundo Simone, não é difícil perceber a influência de Cássia em algumas artistas, como a Maria Gadú. Alves afirma que, apesar de cantar um estilo diferente do de Eller, Gadú pegou para si alguns fãs de Cássia, e a forma dela de se apropriar das canções se assemelha ao de Cássia. Além disso, Simone aponta que ouve-se muito de Eller em artistas não tão conhecidos que tocam no canal Bis e nos barzinhos.
PRECONCEITO
Encontrar homens que tocam rock é fácil, mas as mulheres também estão por aí tocando. No entanto, são bem menos notadas e apreciadas.
Simone Alves não é só uma mulher: é uma mulher de 58 anos que toca rock. Isto é pouco visto atualmente. O rock é geralmente ligado a uma ideia de juventude transviada, e, segundo Simone, também se relaciona o gênero a mulheres novas, bonitas e sexys.
- Mulher, mais velha e rock parecem que não combinam, né? Eu já senti isso assim de músicos que saíram da banda porque não queriam ficar comigo como líder da banda – protesta Simone.
Ela aponta que não haveria preconceito se o líder da banda fosse um homem de 58 anos.
- Se fosse um homem da minha idade todo mundo acha normal. Uma mulher de 58 anos cantando, sendo a vocalista de banda de rock é uma coisa meio... Mas não estou nem aí - ressalta Alves.
Simone acredita que, se Cássia estivesse viva, seria um exemplo de mulher mais velha roqueira. Entretanto, na visão de Alves, as mulheres não precisam ter o estilo mais “masculino” de Cássia para serem roqueiras. Ela lembra que assistiu a uma apresentação de uma mulher que tocava guitarra e cantava rock enquanto fazia pontas de balé.
- Não precisa ter o estilo da Cássia Eller para fazer rock'n'roll, não. A Cássia Eller era daquele jeito, mas eu acho que não precisa, de jeito nenhum. Eu acho que o importante, e é o que eu faço, é manter a voz potente. Eu me preocupo muito com isso, de estar sempre com a voz trabalhada para eu acompanhar a moçada que me acompanha, porque são todos muito mais novos do que eu. Então eu procuro estar em uma altura para que eles me acompanhem sempre - pontua Simone.
Para Alves, o mundo artístico é feito de ondas: hora um está no topo, hora outro. Ela aponta que virá um momento em que Eller estará novamente no topo das paradas, depois as pessoas irão escutá-la menos e, posteriormente, a onda subirá novamente. Alves acredita que Cássia deixou um trabalho muito rico e, por isso, será sempre lembrada e revisitada.
Foto retirada do perfil do Instagram @roxanne.banda
Vídeo retirado do perfil do Instagram @roxanne.banda
Comments