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Caso de Chicão representa marco histórico na luta LGBTQIA+

turmasetehoras

Updated: Dec 13, 2021

Por Júlia Belloube


Foto: g1


Em uma época onde os direitos civis declarados à pessoas LGBTQIA+ eram quase nulos, o caso da guarda de Francisco Eller, filho de Cássia Eller, foi um marco histórico para a comunidade sexo-gênero diversa brasileira. Apenas em 2011, o Brasil passou a reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo gênero, e a realização de casamentos homoafetivos em qualquer cartório do país foi garantida somente em 2013, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Por este motivo, naquele ano, muito se falou sobre relevância da batalha judicial ter aberto precedentes para outros casos de guarda entre casais homossexuais, abrindo espaço para o debate e a aceitação do novo formato de família brasileira.


Marcos André Campuzano, que acompanhou o caso de perto, endossou que, apesar da falta de uma legislação brasileira que tratasse especificamente da adoção ou tutela de crianças por casais homossexuais e do episódio ter sido um divisor de águas, o fato de Maria Eugênia fazer parte da comunidade LGBTQIA+ foi a menor das importâncias:


— Houve enorme pressão da imprensa a favor da Cássia. Existiam muitos depoimentos de pessoas famosas a favor também da Maria Eugênia, falando da integridade dela, e isso acabou pesando para que o fato dela ser homossexual não fosse nem levado em conta. Era uma mulher que cuidava de uma criança desde sempre. O fato dela ser homossexual não ia afetar, de forma alguma, o desenvolvimento do Francisco. Então, o que foi levado em conta foi só o bem-estar do Chicão.


:A batalha judicial entre a namorada de Cássia, Maria Eugênia e o pai da cantora, Altair Eller pela guarda de Francisco Eller, marcou o ano de 2002 com um processo conturbado. Com complicações desde o início, a luta pela tutela de Chicão, como é conhecido, enfrentou empecilhos tanto no âmbito judicial quanto na relação pessoal entre a companheira de Cássia e o avô do menino. No entanto, o maior motivo do caso se tornar conhecido, além de se tratar da vida de uma estrela da música, foi o fato de ser uma novidade na justiça brasileira, por ser a parte de um casal composto por duas mulheres disputando a guarda do filho que criou juntamente à companheira. Para Marcos André Campuzano, desde este processo, o judiciário passou a ver aquilo com uma certa normalidade:


Ela era uma mãe que tinha todos os requisitos pra cuidar bem do garoto, como já vinha fazendo há muitos anos. Tanto que o judiciário optou por não deixá-lo com quem tinha legalmente o direito, e deixou com quem não tinha o direito em si, mas tinha carinho e afeto. Isso é que eu acho que foi um divisor de águas para termos conseguido manter a tutela. Muita gente gostava da Cássia também e tinha essa empatia pela pessoa que ela era.



RELEVÂNCIA FUTURA


Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e escritora, Andréa Pachá acredita que a decisão do caso de Chicão foi paradigmática para o caso de tutelas e que, a partir de então, a jurisprudência tem sido cada vez mais ampla no sentido de reconhecer os direitos da população LGBTQIA+. Segundo ela, atualmente é muito mais simples o registro na certidão de nascimento por ambos os pais ou mães, e a tendência do Direito das Famílias tem sido ampliar a proteção, jamais restringir ou retroceder. Ela ainda contou como tem visto o comportamento da justiça brasileira desde o caso de Eller:


— A atuação do Judiciário tem sido muito importante para enfrentar os preconceitos e afirmar direitos. Casamentos de pessoas do mesmo gênero acontecem em razão de uma Resolução do CNJ, embora não tenha lei promulgada. Os registros para os filhos nascidos ou adotados por casais homoafetivos são feitos com tranquilidade e tudo isso, inegavelmente, acontece. Não só em razão da importante luta desse grupo, mas da atuação da Justiça, acolhendo as demandas e criando um ambiente mais democrático para a efetividade dos direitos de todos.


A tutela concedida à Maria Eugênia não foi importante apenas para a época, mas também para que possamos, nos dias de hoje, enxergar os reflexos de momentos como esse. Henrique Rabello de Carvalho, presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Genêro da OABRJ, diz que, apesar da decisão do juiz ter sido primordial para que futuros casais de pessoas do mesmo gênero pudessem constituir famílias dissidentes do modelo heteronormativo e serem reconhecidos como tal, ainda há muito a ser feito no que diz respeito aos direitos da comunidade LGBTQIA+:


— Cabe destacar que, desde a Constituinte de 1988 até o momento, diversos projetos que versam sobre direitos LGBTQIA+ foram apresentados no Poder Legislativo, mas absolutamente nenhum deles foi aprovado. Nesse sentido, coube ao Poder Judiciário reconhecer os direitos da população sexo-gênero diversa. Foi o caso do reconhecimento a união estável entre pessoas do mesmo sexo, da possibilidade de adoção entre pessoas do mesmo gênero e a possibilidade de retificação de nome e gênero sem a necessidade de cirurgia.


Segundo Henrique, mesmo que esses direitos desfrutados pela população LGBTQIA+ tenham sido reconhecidos pelo Judiciário, não significa necessariamente que seja um poder progressista, porque ainda existem conservadorismos. Ele diz que é necessário cada vez mais incluir essas discussões à luz dos direitos fundamentais no Brasil e não deixar todos os desafios na mão da justiça, a fim enfrentar de construir políticas públicas desenvolvidas, originadas e produzidas junto também aos poderes legislativos, sejam eles na esfera municipal, estadual ou federal. Para isso, segundo o advogado, é preciso que a população LGBTQIA+ e a população heterossexual percebam que o não reconhecimento desses direitos enquanto Direitos Humanos afeta toda a comunidade, e não apenas uma parte dela.



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