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Sexo, drogas e rock’n’roll: o mito da morte de Cássia Eller reforçado pela mídia

turmasetehoras

Updated: Dec 13, 2021

Mesmo após 20 anos da morte da artista, imaginário social ainda relaciona overdose como a causa


Por: Nathalie Hanna e Letícia Messias


“Parecia um monte de hiena na carniça”. É assim que a produtora Déborah Dornellas, jornalista e amiga da Cássia, define a cobertura midiática sobre a morte da cantora. Segundo ela, os boatos que preencheram jornais e revistas consagrados à época, com notícias de que a artista havia morrido por overdose, não faziam jus à imagem da artista, que, de acordo com ela, estava em busca de se tornar uma pessoa melhor, longe das drogas, para criar o filho Chico.


Este mês, a morte de Cássia completa 20 anos. E, apesar de exames toxicológicos do Instituto Médico Legal (IML) não terem encontrado drogas entorpecentes ou álcool no sangue, nas vísceras ou urina da cantora, o imaginário social ainda relaciona o ocorrido ao uso exagerado de narcóticos. A corrida dos jornais para alcançar o posto de melhor cobertura do caso gerou falhas como a capa da revista Veja, que dizia “Drogas, mais uma vítima”.


– Eles usaram aquilo para uma pauta conservadora, como se fosse mais uma cantora que morreu de overdose. E a Cássia ia contra tudo isso. Achei a cobertura nojenta. No momento que teve a notícia, eu peguei o meu carro, aos prantos, e fui para a Casa da Fofoca. Nesse meu trajeto, acho que recebi uns cinco telefonemas de jornalista. A maioria pediu acesso à Eugênia. Eu disse que nem falaria que recebi a ligação, porque a Eugênia não estava no momento de falar com ninguém e falaria no tempo dela. Parecia um monte de hiena na carniça – relembra Déborah.


De acordo com o jornalista Thiago Ney, ex-funcionário da Folha de São Paulo, a cobertura teve falhas sérias, apenas baseadas em suposições ou rumores.


– A imprensa sempre teve e sempre terá dificuldade em interpretar a personalidade de um artista, de uma pessoa conhecida. O jornalista trabalha com o que tem, com o que apura, e muitas vezes aquilo que chega para os jornalistas é uma versão do que os próprios artistas querem passar – afirma.


A MORTE DE CÁSSIA


Mesmo com o cansaço e compromissos, a cantora não deixou de viver a vida ao lado de quem amava. No dia em que comemora-se a Santa Ceia, Cássia teve uma tarde de almoço com as amigas na casa da irmã de Eugênia, sua companheira, em Brasília. Dias depois, ela foi ao Rio de Janeiro sozinha para encontrar a família. Mas foi no dia 29 de dezembro de 2001 que o telefone tocou na casa de Eugênia e o outro lado da linha deu a grande e triste notícia: Cássia havia morrido.

De acordo com Déborah, Cássia estava sem usar drogas há muito tempo, portanto não teria como a causa da morte dela ser relacionada à overdose. A jornalista afirma que o mais provável é que a cantora tivesse tido um breakdown porque teria de receber os familiares em casa, no Rio, algo que não a deixava confortável. Segundo ela, uma das características marcantes na esposa de Eugênia é que ela não sabia dizer não às pessoas, fato que pode ter contribuído para o estresse.


– Eu não diria que ela tinha problemas com drogas. Ela usava mas queria parar, porque ela sabia que fazia mal. Então, nos últimos tempos ela estava se tratando. Ela fazia acupuntura e um monte de coisa para segurar. No dia do Natal ela não queria nem beber. Quando ela morreu, ela estava totalmente com o pé no freio. Talvez por estar com abstinência há muito tempo, isso tenha contribuído para o breakdown que ela teve.

Quando Cássia chegou ao hospital, os médicos disseram que ela estava confusa. Deborah conta que, na verdade, era um momento de estresse emocional. Mas, de acordo com a produtora, os especialistas trataram o caso como se fosse overdose, e não como um infarto. Ela explica que eles utilizaram Plasil na veia, um remédio para alterações no sistema digestivo, e só descobriram posteriormente que era um infarto porque o empresário dela, Ronaldo Villas, contratou um cardiologista de fora.

Na época que a cantora morreu, a corrida para qual veículo daria a melhor cobertura e o primeiro furo foi iniciada. Mesmo com a notícia de que ela havia morrido após sofrer três paradas cardíacas, todos começaram a apurar em busca da verdade e qual seria a causa da morte de Cássia.


A MÍDIA


A linguagem utilizada pela Veja assumia uma bandeira contra as drogas, de modo que Cássia serviu como exemplo para dizer ao leitor de que este se tratava de um caminho sem volta. O veículo chegou a afirmar que, ainda que ela tivesse sobrevivido, teria sequelas no braço, dando a entender que não seria mais possível que a cantora tocasse instrumentos, por exemplo. A revista também descreveu detalhadamente o tratamento aplicado pelos médicos, como se não houvesse dúvidas de que a artista morreu de overdose.


“O atendimento que recebeu seguiu o padrão utilizado nos casos de intoxicação por drogas em doses acima do suportável pelo organismo, a chamada overdose. Os médicos ministraram atropina, lidocaína e bicarbonato de sódio. Pela ordem, esses três medicamentos servem para recuperar os batimentos cardíacos, normalizar o ritmo do coração e manter em níveis adequados algumas substâncias que regulam o ph do sangue”, publicou a revista.


Após o erro cometido pela Veja, a revista fez uma nota na edição seguinte e não publicou um pedido formal de desculpas. Sem destaque, ela informou apenas que a causa da morte da artista não foi por conta das drogas, e sim por infarto, como dizia o laudo do IML.


Na época ainda não havia o termo “fake news”, que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. Em junho de 2020, foi aprovado no Senado o projeto de lei 2.630/2020, que busca combater essas informações falsas. Segundo o advogado José Eduardo Maya, caso o jornalista consiga demonstrar que a notícia tem algum fundamento, ele estará resguardado. Porém, Maya ressalta que, caso o profissional não tenha nenhuma fonte confiável, os erros cometidos podem impactar negativamente a apuração.


– O jornalista precisa conseguir demonstrar que de fato houve alguma fonte confiável relatando a possibilidade ou deixando claro que, no caso da Cássia, esta poderia ser uma hipótese aventada. Afirmar peremptoriamente, sem qualquer base, sujeitará o repórter e o veículo de imprensa a uma ação de retratação, a um pedido de direito de resposta da família, a um pedido de publicação de sentença condenatória ou, ainda, a reparação por danos morais.

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