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Vinte anos sem Cássia Eller, o ponto de fusão da música brasileira do novo milênio

turmasetehoras

Updated: Dec 13, 2021

Mesmo com uma carreira breve, Cássia Eller moveu multidões embalando canções em todos os ritmos possíveis.


Tarde de 13 de janeiro de 2001, terceira edição do Rock in Rio. Apenas alguns poucos dias após a virada de ano, o século XXI havia finalmente começado. Olhando para trás, o sentimento de que o milênio em que “tudo aconteceu” havia acabado ainda parecia uma ideia difícil de acreditar. Se preparando para entrar no palco do que ela mesma chegou a se referir como “meu Woodstock”, Cássia Eller. Não havia um símbolo melhor para representar a soma dos fatores musicais que culminaram naquela tarde e evento. Cássia, uma das representantes nacionais no evento marcados por boicotes e protestos, estava prestes a entrar no palco de sua última grande apresentação. Um show que, mesmo sem esse fator, já era histórico.


Cássia durante a apresentação no Rock In Rio de 2001

Nascida em 1962 Cássia cresceu experienciando em tempo real as mudanças musicais de um Brasil complexo em período ditatorial. Na verdade, de mudança a artista entendia. Nascida no Rio de Janeiro, Cássia se mudou com apenas seis anos de idade e aos 19, quando partiu para arriscar a sorte de uma carreira, já havia morado no Rio, Minas, Pará e Brasília. Antes mesmo da música, Cássia já era um exemplo de convergência cultural.


Nos anos 80, enquanto tentava a sorte de uma carreira nas noites dos bares de Belo Horizonte Cássia viveu uma outra etapa crucial de seu ecletismo musical. Segundo o crítico musical Bernardo Araujo, a tradição da música nos “barzinhos” é escola fundamental dos grandes intérpretes da música brasileira.

– Isso aparece em quem tocou em barzinhos na noite desde jovem como a Cássia. Você pede pra uma delas ‘Toca uma do Lulu Santos’ e ela vai saber por que na noite dela ali ela tinha que tocar Lulu Santos, tinha que tocar um clássico da MPB. [...] Um violão super bem tocado, que se adapta a um monte de coisa, que é o que você precisa saber fazer para conseguir ganhar a vida em barzinho.


Durante os anos noventa, após um início modesto porém oficial na carreira musical profissional pela gravadora Polygram, Cássia não deixou de lado as experimentações. E, novamente, contrariando a fama e personalidade Rock n’ Roll, teve como seu primeiro grande sucesso a estourar a balada calma “Malandragem” composta originalmente por Cazuza – De quem era fã declarada– e Frejat para a cantora Angela Ro Ro.


A ideia original da dupla fundadora do Barão Vermelho era que a música mostrasse um lado “B” de Angela, que na época tinha fama de barraqueira e “maluca”, mostrando que ali ainda existia uma garotinha. Sem se achar adequada para a canção, Angela dispensou o presente e a letra ficou engavetada. Cazuza faleceu e em 91 Frejat ouviu o primeiro lançamento de Cássia e já se tornou fã. Mais tarde, em 94, durante a fase de gravação do terceiro disco de Cássia, Frejat mandou a música dizendo que “Se não a Angela, só você pode cantar essa” logo que escutou Cássia se apaixonou; tinha tudo a ver com ela. Seu álbum seguinte, em 97, "Antimonotonia", era um álbum tributo feito inteiramente de regravações de Cazuza.


“Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Esperando o Onibus da escola, sozinha

Cansada com minhas meias três quartos

Rezando baixo pelos cantos

Por ser uma menina má

Quem sabe o príncipe virou um chato

Que vive dando no meu saco

Quem sabe a vida é não sonhar

Eu só peço a Deus

Um pouco de Malandragem

Pois ou criança

e não conheço a verdade

Eu sou poeta e não aprendi a amar”


Marcada pela sua versatilidade Cássia fez sucesso e se destacou dando tons poderosos de suas influências musicais nacionais e estrangeiras a regravações. O ecletismo musical de Cássia permitiu que ela re-gravasse, sempre com sucesso, canções de Rock de Cazuza e Renato Russo; da MPB de Marisa Monte, Caetano Veloso e Chico Buarque; do pop de Nando Reis e Arrigo Barnabé. Tudo sem comentar as canções internacionais de Beatles, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Nirvana… Ainda em 1992 Cássia entoou uma junção potente da música “Satisfaction”, dos Rolling Stones, acompanhada do cantor Edson Cordeiro performando a Ópera “Ária da Rainha da Noite”, de Mozart. Em 99, em seu quinto álbum de estúdio, produzido pelo amigo Nando Reis, Cássia emplacou mais duas músicas calmas marcantes de seu repertório “Segundo Sol” e ”Palavras ao Vento”.


Para o historiador e produtor musical Rodrigo Faour, responsável pelo CD/Coletânea póstumo “Raridades - Cássia Eller”, lançado pela Som Livre em 2008, Cássia foi “Talvez a última cantora brasileira realmente eclética a fazer sucesso”.

– Outras como Adriana, Zélia e Marisa Monte até começaram seguindo pela mesma linha mas eventualmente todas acabavam se direcionando a um nicho meio pop com eventuais exceções. A Cássia não, ela provou na prática que era uma cantora sem rótulos. Ela tinha a segurança de poder cantar de tudo, Cássia podia cantar Edith Piaf, Nirvana, Mangue Beat, Rock anos 80, um samba de Chico Buarque, um samba empolado como o do Riachão… Era uma cantora absolutamente sem limite e foi a última. Antes dela só Gal, Elis e Bethânia. Mas, depois, ninguém.


Até que tudo culminou naquela tarde, 13 de Janeiro de 2001. Cássia e o mundo ainda não sabiam, mas aquele seria um dos últimos palcos que ela incendiaria com sua presença marcante. Naquela tarde, daquele show, do início do milênio, da virada de página; Cássia fez história. Em pouco menos de uma hora de apresentação, Cássia fez com naturalidade o que para qualquer outro intérprete sem sua vivência e experiência seria o maior dos desafios. Juntou, numa salada irreverente porém potente; Renato Russo, Cazuza, Marisa Monte, Nando Reis, Nação Zumbi, Carlinhos Brown, Beatles, Korn e Nirvana (atendendo um pedido especial de seu filho Chicão que acompanhou a canção na percussão). Cássia marcou ali uma parte da história da música brasileira. Sua última grande apresentação era de fato um marco, não de início de uma nova era –como tantos esperavam– mas talvez de despedida de um passado até então muito recente. E ninguém melhor para oferecer um compilado dos melhores frutos do milênio passado em toda sua magnitude se não a própria convergência em pessoa? Cássia Eller.


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